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A NYSE tem a primeira presidente mulher em 226 anos. E daí?

Stacey Cunningham, de 43 anos, será a primeira mulher em 226 anos a presidir a Bolsa de Valores de Nova York – cuja sigla em inglês é NYSE.

(texto originalmente publicado no site da Incluser)

 

"E daí? O que importa é competência, chega dessa frescura de contar mulheres em cargo de liderança, isso é separatismo!"
Gosto de ter pessoas com diferentes opiniões na minha rede pois me ajuda a ver coisas que eu não via, quer dizer, eu leio "primeira presidente mulher em 226 anos" e minha reação é apenas comemorar, mas aí a timeline me mostra pessoas (mulheres também!) reclamando da chamada e até mesmo acusando de ser separatista. Eu me sinto no dever cívico de explicar o que é separatismo.
Separatismo: Tendência dos habitantes de um território ou região a separar-se do Estado de que fazem parte para constituir Estado independente
Não vejo sinal de mulheres querendo fundar um Estado independente apenas para mulheres. Ufa!
Além de estarmos bem distantes de qualquer ideia separatista, o reconhecimento se deve às grandes barreiras enfrentadas por mulheres para adentrar o mercado financeiro. Muriel Siebert foi a primeira mulher a ter um assento na NYSE entre 1.365 membros da bolsa, em 28 de dezembro de 1967. Ela precisava de um 'sponsor' para aplicar a uma vaga e dos dez primeiros homens aos quais ela pediu sua inscrição, nove negaram. Não tinha nenhuma norma legal que a impedisse, mas o preconceito de gênero estava presente desde então. A Stacey inclusive reconhece essa precursora. "Mas isso foi há 50 anos atrás e agora as mulheres podem acessar todos os espaços sem problema nenhum!"
É comum ler e ouvir esse tipo de questionamento quando falamos de movimentos por liderança e direitos femininos na atualidade. Agora vamos falar de competência e de cargos de liderança? Demonstrar competência para ascender a um cargo de liderança envolve fatores quantitativos - se você atinge metas, fecha negócios, aumenta o lucro, que são variáveis objetivas e palpáveis - e qualitativos - se você se relaciona bem com a equipe, se é bem visto pelos seus superiores, se tem uma boa reputação, que são variáveis subjetivas e não palpáveis.
O ponto é que no ambiente de trabalho encontramos diversos indícios de que, quando há fatores de avaliação subjetivos, as mulheres acabam tendo menos destaque ou reconhecimento. Uma pesquisa publicada na Harvard Business Reviewusou análise de conteúdo em avaliações de desempenho anuais individuais, e mostrou que as mulheres tem uma probabilidade 1,4 vezes maior de receber feedback subjetivo crítico (em oposição a feedback positivo ou feedback objetivo crítico) do que os homens. E a publicação é de 2017, não 1907 ou 1947 ;)
Isso acontece porque as avaliações anuais são geralmente subjetivas, o que abre as portas para o viés de gênero - “Tom é mais confortável e independente do que Carolyn em lidar com as preocupações do cliente” - e para o viés de confirmação - “Eu sabia que ela teria dificuldade com esse projeto”. (HBR em tradução livre)
Os mesmos dados revelaram que as mulheres recebem menos feedback crítico construtivo (que é quando você diz o que a pessoa fez de errado, mas também faz sugestões sobre como fazer corretamente) e também tem sua performance geralmente atribuída a características como sorte ou possibilidade de ficar mais ou menos no escritório, ao invés de atribuída às suas habilidades profissionais.
Assim, as mulheres frequentemente recebem menos crédito pelo seu trabalho.
Perceba que essa não é uma questão de complô de homens contra mulheres, mas sim um fenômeno social que se expressa através de vieses inconscientes e reflete em como as mulheres são vistas (até mesmo por outras mulheres). Então quando vemos mulheres ascendendo a cargos de liderança, principalmente em ambientes considerados masculinos, isso representa sim uma vitória histórica não somente pela competência dela, mas também por todas as barreiras subjetivas que as mulheres precisaram superar para sequer serem consideradas a cargos de liderança.
Continuaremos contando e alardeando mulheres na liderança enquanto formos poucas e enquanto os dados provarem que somos poucas não por falta de competência, mas sim porque falta visibilidade, incentivo e reconhecimento enquanto sobra viés de gênero e questionamentos sobre nossa capacidade de liderar!
Texto de Ita Colini
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